sábado, 19 de junho de 2010

"A Conversa Miada"



Um dia desses estava dando carona para um amigo e no meio da nossa conversa sobre vários assuntos, o celular dele toca, era a esposa. Até aí tudo normal, nada demais, o que me chamou atenção foi a intonação da voz. Uma voz antes normal passou a ter um tom suave acompanhado um festival de miados, com todas as palavras terminadas nos seus respectivos diminutivos.

Não tinha para onde escapar, o negócio era dirigir, e tentar pensar em uma coisa que fizesse meus pensamentos não focarem na conversa intima do casal. Pensei no Oriente Médio, no Afeganistão, na Copa do Mundo, mas aqueles miados do meu lado estavam vencendo qualquer tipo de pensamento ou barreira sonora. Dando-me por vencido, achei que deveria observar aquela situação.

Confesso que esse não foi o primeiro caso de amigo miando com a namorada, como se estivesse isolado do mundo por uma espécie de bolha aprova de som. Isso acontece o tempo todo, e nos mais variados locais, no trabalho, numa roda de bar com amigos, num jogo de futebol, enfim não tem lugar nem hora. O engraçado dessas situações é ver a intonação e o volume da voz mudar assim do nada.

Para quem não conseguiu visualizar o que estou querendo dizer, tentarei transcrever um desses diálogos, o qual fui testemunha dentro do carro a caminho de uma noitada. Para ilustrar melhor essa história, chamarei esse meu amigo de Robson.

Robson - E aí Lobo (sem meu nome na história), qual é a boa da noite?
Lobo - Rapaz o movimento hoje deve estar ... (toca o celular).
Robson – Oi moreco, tudo bonzinho com você? Como foi seu diazinho no trabalho?
Lobo – (Afeganistão).
Robson – Também estou com saudadezinha de você. Melhorou daquela dorzinha que você sentiu hoje de manhã?
Lobo – (Iraque).
Robson – Não, só estou indo aqui do lado de casa com o Lobo tomar uma cervejinha. Coisa rápida viu lindinha.
Lobo – (Amigo laranja)
Robson – Lembra de comer alguma coisinha para não ir dormir de barriguinha vazia viu. Também te amo viu. Dorme bem viu mozinho. Beijo, beijo, beijo (celular desligado). “Voltando à conversa comigo”, Sim, tu tava dizendo que o movimento hoje era onde mesmo?
Lobo – “Voltando a realidade”.

Infelizmente não dá para reproduzir aqui a intonação e o volume da voz do meu amigo, mas o diálogo dá uma idéia do que se conversa nesses momentos de puro romantismo. Não duvido que o que o que foi dito ali seja mentira, o sentimento de fato existiu e foi derramado com muito açúcar para quem estivesse no raio de ação da conversa. Só posso dizer que embora constrangedor, a conversa não deixa de ser engraçada.

Que fique bem claro que a situação acima ilustrada não é uma generalização, pois em muitas conversas desse tipo o homem de fato está onde de fato relatou. Como disse, a questão aqui é a mudança de comportamento e voz, que vão dos 8 ao 80 na velocidade do som. Não vou dizer que nunca falei dessa forma, já fui apaixonado antes, mas como solteiro, e de posse de carta de alforria, escutar isso é muito curioso.

Mas não pensem que isso é um fato restrito apenas a nós homens, esse caminho tem mão dupla e a mulherada sabe usar muito melhor essas artimanhas. Não me entendam mal, quem estiver lendo, apenas me refiro a melhor capacidade das mulheres com as palavras. Detectar se o que está sendo dito é verdade, meia verdade ou mentira já é outro assunto. A questão aqui é puramente comportamento.

E a moral da história? Talvez não exista uma única, mas a de cada um, conforme suas convicções. Apenas reparei na incrível capacidade camaleônica de mudarmos conforme os interesses individuais naquele momento de carícias açucaradas pelo telefone. Então chega o momento de reflexão. Até onde podemos chegar com as conversas miadas? Até onde acreditar quando ouvi-las? Eis um desafio para todos nós.